quinta-feira, 30 de abril de 2015

Perdi meu Lugar na Terra

        Bom, não sei quem é o guardião da terra, porém quando bati nessa porta para acessar a mesma, assim como tinha acontecido no céu, também recebi um solene não, não havia lista nenhuma com meu nome nesse local, deduzo que se tornou impraticável para seres humanos a presença no planeta terra graças ao que chamamos de civilização.

     Vejamos algo simples, estou caminhando na rua e você também, nos aproximamos passo a passo, um observa que é observado observando o outro, duas almas milhares de conjunturas, sim pela minha cabeça passam muitas alternativas, muitas hipóteses o mesmo ocorre com você, na prática sempre encontrando motivos para abortar a aproximação e dificuldades para realizar um possível contato, quando bem o sabemos o Natural comportamento humano seria de imediato relacionarmo-nos.

     Perdemos a naturalidade da existência para trocá-la por uma multidão de construções mentais de interdição, temos sinal vermelho para tudo, antes de estabelecermos uma relação direta estamos trabalhando milhares de hipóteses e o que mais nos interessa perde-se nessas reflexões, estamos mais preocupados com as justificavas do que com o ser.

     Cara, onde ficou a atitude pessoal verdadeira, aquela que nos leva a nos aproximarmos de outrem com o nosso jeito de ser e não com o que o que criamos para mostrar, por isso é que digo que me falta pé, não existe espaço na terra para mim, apenas um mundo irreal imaginário onde convive um eu inventado, somos hoje uma ficção criada com o intuito de parecermos reais, organizados e adaptados como realmente assim o deseja a civilização que também criamos.

     Quero sim adentrar no planeta terra, no planeta real e conversar com pessoas e não fantasmas dessas, não caricaturas de seres humanos incapazes de ousar ser, simplesmente aparentam algo que inventaram para si mesmos por obra de reflexões feitas por terceiros e regras filosóficas a serem executadas por todos, caso desejem participar desse simulacro de terra que inventaram.     

     É hoje completamente impossível, simplesmente olhar para alguém, aproximar-se, contatá-lo, tocá-lo, ou seja, estabelecer uma relação direta ligada à necessidade natural do ser humano sem uma série de estratégias, um jogo de ambas as partes com justificativas e suas contrapartidas, quando tão simples seria uma aproximação e não uma guerra de interpretação das várias intenções para um nunca chegar ao objetivo.

     Quero meu passe à Terra, é um direito natural, em nada me interessa essa fantasia que me condenam a participar, não tem porque me subordinar a regras que não se justificam por si mesmas a não ser pela imaginação fértil de alguém.

     Quando alguém colocou uma cerca num pedaço de terra ou em um conjunto de pessoas e disse “isso é meu”, transformou uma mentira em injustiça real e é desse mundo fantasmagórico que não me interessa participar, prefiro estar só comigo mesmo a me condenar ao eterno mentir para mim mesmo.      

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Perdi meu Lugar no Céu

     O simpático e severo São Pedro sempre cioso de suas obrigações me dirá com certeza "lamento, mas seu nome não consta na lista, procure na porta ao lado, deves ter te equivocado no endereço", como tenho essa convicção? É simples, sem arrependimento não há espaço no céu, como não é da minha índole repassar o passado, vou ter que me contentar com outro endereço qualquer.

     A base das principais religiões, as de origem cristã em particular, é o pecado original, nasce culpado e o homem por sua fraqueza condenado está a lutar contra o erro de maneira continuada, uma luta vã perde sempre, é uma cíclica sequência perversa, cometo pecado, manifesto o arrependimento, recebo o perdão e volto a cometer pecado, com este circuito interminável tenho a tranquilidade de garantir o meu lugar no céu e com o bônus de poder saciar minhas vontades, desde que seja temente frente ao todo poderoso e esteja propício a admitir o erro cometido.

     Quanto a mim? Não vou nem tentar negociar com o simpático guardião da entrada do paraíso, o perdão eu não o mereço, é uma certeza que tenho, pois não me arrependo então o que me sobra é apenas o pecado e as consequências desse, pelo que dizem o famigerado fogo eterno, quem sabe, respeito e reconheço as virtudes dos que se dedicam às doutrinas de uma instituição religiosa, apenas não faz parte da minha natureza, eventualmente participo desse tipo de ritual por questões sociais até acho interessante, belo e envolvente, mas admito que tenha minhas dificuldades com a fé.


     A questão do Erro para mim é central, passa por aí todo o meu questionamento. Acredito que as decisões que tomo só podem ser de fórum íntimo, nunca resultado de regras e leis externas a mim, sendo um direito meu decidir e só decidindo alcançamos uma posição soberana do homem frente à natureza da qual faz parte, sendo tão somente minhas as opções não são passíveis de arrependimento, estão fora do policiamento externo, pois foram adequadas no momento de sua execução até para possibilitarem no presente a própria mudança brusca de rumo se assim o for necessário, enfim o arrependimento é uma denúncia vazia, o que pensamos sobre o fato sempre é falso, o verdadeiro é o próprio fato e tão somente ele existe.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

A Geração Pós Guerra

     Estava com minha filha saboreando um cachorro-quente acompanhado de uma cerveja quando ela começou a rir, sem conseguir parar principiou a me contar o que lhe tinha acontecido, observaram a ela que um amigo a tinha visto acompanhada de um beatnik o qual imaginava que era o pai dela, no caso eu, ela ria porque jovem como ela o é, via esse tipo de personagem como pré-histórico e acrescentava a isso a dificuldade de associar a imagem do mesmo com a que ela tem de mim, de fato estávamos juntos quando ele nos viu e certamente nas cercanias de uma sala de cinema que é um de nossos pontos de encontro.

     A geração que estava chegando à fase adulta nos anos 50 e 60 era uma geração inquieta, algo fácil de entender pelo ambiente pós-Segunda Guerra Mundial, entre as muitos correntes filosóficas anti-materialistas, alguns desses jovens pensadores estabeleceram uma ideário anti-conformista que teve como seu principal articulador Jean-Louis Lebris de Kerouac, mais conhecido como Jack Kerouac, cujo livro "On the Road" escrito em 1957 virou um Cult e até os dias de hoje tem seus apaixonados admiradores, foi ele quem introduziu a frase "Geração Beat" em 1948 para caracterizar um conjunto de jovens com uma espécie de espiritualidade do submundo Nova Iorque catalogando seus personagens como beatnik.

     Essas teorias estavam em voga por ocasião do meu nascimento, certamente sofri a influência desse e de outros movimentos da contracultura mundial, convivíamos com muitos movimentos de contestação à sociedade da época, na medida em que saí da infância para a juventude envolvi-me com eles, marcando posições, buscando experiências do tipo construir uma comunidade em um apartamento alugado com amigos e vivermos uma experiência espiritual cujo ápice seria viajar à Índia, que era por nós considerados a Meca da espiritualidade, assim como largar o emprego insatisfatório e não pensar duas vezes sair de mochila nas costas a viajar pelo país deixando para o retorno encontrar ocupação mais adequada,fazia parte do pacote também usar cabelos longos, trajes personalizados, leitura de muitos livros, e frequência grande a peças teatrais e filmes, participação na luta contra a ditadura e na contestação do status quo social.

     Em momento algum minha filha poderia identificar-me com o passado acima relatado, pois a imagem que ela partilhava no dia a dia, apesar de acompanhar debates meus com amigos, ver-me adotar sempre uma postura não consumista, um posicionamento de luta permanente contra as estruturas sociais injustas, era principalmente a do pai que partia em busca do pão diário para nossa mesa e do conforto para a família.


     Penso que o vazio existencial hoje presente na nossa sociedade por certo cumprirá mais um ciclo histórico, estamos à porta de um novo momento de inquietude, por motivos muito diferentes, porém baseados no mesmo sentimento, desencontro com o modelo de sociedade estabelecido, sinto a sensação generalizada de “falta de sentido”, na vida e nos processos participativos em escolas, em atividades profissionais, em movimentos políticos, o que nos deixa à beira de um novo tipo de mobilização social com características imprevisíveis.

domingo, 19 de abril de 2015

Noites Brancas, sua Leitura em Imagens.

     Frente à tela branca, lá na PF Gastal, quando no píer arma-se um balé a dois refletindo o nascer de um amor impossível, escorreu um pequeno rio de lágrimas de meus olhos, o que não me impedia de ver o que já tinha lido, expressava não alegria, nem tristeza, e sim a emoção que as imagens provocavam em minha alma, era o filme Noites Brancas no Píer, de Paul Vecchiali, cineasta francês realizado em 2014, ou seja, cento e sessenta e seis anos depois da publicação do conto original.

     Saí correndo do cinema em direção ao meu apartamento, lá de imediato a busca da caixa onde guardo meus livros, era tempo de comprometer meus próximos passos, sim fiz uma pausa na leitura do maravilhoso livro com depoimentos do cineasta português Manoel de Oliveira para reler Noites Brancas de Fiódor Dostoiévski, que em 1848 escreveu esse conto depois de uma desilusão amorosa do então jovem escritor.

     Curiosamente o diretor trabalhou o filme expressando-se com o mesmo pensamento artístico no qual orientava os seus filmes Manoel de Oliveira, pouco movimento de câmera, o ator valorizado em sua personificação do personagem, as combinações de luz e da sua falta, os ângulos fotografados dos rostos a mostrar os sentimentos de cada fala, a beleza do cenário, os diálogos valorizados pelo conteúdo da escrita original e, principalmente, a expressão de todo o sentimento presente no livro o que deixa transparecer uma admiração do cineasta pelo escritor.

     O livro é de poucas páginas, mas para nos mostrar tudo o que nossa imaginação enxerga ao lê-lo e o que vivemos emocionalmente durante sua leitura, uma hora e meia de filme poderia ser multiplicado por dez, disso não tenho dúvidas, passa por aí a grande qualidade do diretor que conseguiu trazer para os dias de hoje a pureza de sentimentos que tão bem expressa o livro dos seus personagens.


     Amigos, missão cumprida. Não poderia depois do filme visto, deixar de reler o livro e principalmente não me perdoaria se não contasse esta experiência vivida nas últimas vinte quatro horas para vocês, agora posso voltar a ler os pensamentos do grande cineasta português que filmou até sua morte aos cento e oito anos sempre com muita clarividência o homem e a sociedade com destaque para uma honestidade para consigo mesmo manifestada em todas as suas obras.      

sábado, 18 de abril de 2015

Um Novo Dostoievski Sempre

     Memórias da Casa dos Mortos, envolvido por suas páginas, como se fosse minha primeira vez, a cada releitura o percebo em sua força psicológica como um escritor totalmente inovador, na minha passagem pelos personagens outros detalhes, outras sensações e a qualidade de sempre.

     A cada dia constato o quão óbvio é o motivo para que tantos escritores o tenham como inspirador de suas obras, particularmente os que querem encontrar um caminho novo de vislumbre ao âmago das pessoas, nesse livro em especial ele consegue refletir todo um espectro de almas humanas, que apesar de submetidas ao confinamento que as humilha e fragiliza, a essência como ser humano impõe-se com a força que só o homem pode ter.

     Experiência vivida, pois esteve na Sibéria preso, conseguiu mostrar-nos sua grande sensibilidade no entendimento do caráter humano, não uma imagem fantasiosa focada em bons e maus e sim homens inteiros com suas falhas de caráter e suas preciosidades de alma compostas em um ser único, nem bom, nem mau, mas sim homem.

     Não abrindo mão de exercer uma crítica persistente em todo o livro ao descalabro que é uma prisão, sua falta completa de solução para o problema das fraquezas humanas, a tendência à prepotência sádica de seus administradores e definindo essa solução como um agravante na formação da personalidade já degradada do preso.

     A valorização da vida, como o verdadeiro paraíso, talvez seja um dos maiores legados que ele nos deixou sendo possível que essa revelação lhe tenha ocorrido no momento em que descobriu sua conversão do status de condenado à morte para o status de prisioneiro na Sibéria, sabemos que essa informação ele só a recebeu no último momento antes de sua programada execução, praticamente em frente dos carrascos.


     Por isso não me privo de reler sempre que posso suas obras, pois sempre me trazem o frescor da novidade, apesar de serem os mesmos textos, as mesmas palavras eu como leitor, em meu estado de espírito do momento, não sou o mesmo e valorizo novos aspectos nunca antes percebidos e especialmente adequados às perguntas que estão nesta hora me seduzindo.   

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Uma Pérola Linda e Eterna

     Já se passaram mais de cem anos desde que Leon Tolstoi escreveu a qualificada novela "A morte de Ivan Ilitch", relendo-a não consegui esconder o meu encantamento com uma das mais belas novelas já escritas, sua profunda reflexão sobre a qualidade da vida no ponto de vista de quem está em seus últimos momentos, com a reconsideração por parte de Ivan do que sempre lhe parecia correto, sensato, honesto e agora lhe dava apenas a sensação de ausência de valor.

     Entre tantas frases encontramos lindíssimas pérolas, em particular por sua aplicabilidade nos dias de hoje escolhi esta para discutir com vocês e assim a reproduzo:

     - "Filho de um oficial cuja carreira em Petersburgo em vários ministérios e departamentos era daquelas que conduzem as pessoas a postos dos quais, em razão de seu longo tempo de serviço e da posição alcançada não podem ser demitidas - embora seja óbvio que não possuem o menor talento para qualquer tarefa útil, pessoas para as quais cargos são especialmente criados, os quais, embora fictícios, pagam salários que nada têm de fictícios e dos quais elas continuam vivendo o resto da vida”.

     Talento é conseguir exprimir uma ideia com clareza, bem construída do ponto de vista literário e que supere os limites do tempo, mantendo-se tão atual quanto o foi em sua época, esta qualificação não faltou a esse grande escritor russo, era um sonhador, visionário no sentido de abraçar a esperança e trabalhar na sua construção todos os dias, por certo curtiu os dissabores da incompreensão, inclusive dos familiares, porém nunca abriu mão de colocar para o mundo os seus ideais de justiça usando a lucidez dos seus pensamentos e buscando sempre um patamar mais alto para a humanidade.  

     O assunto expresso nessa frase é de extrema relevância no Brasil, inclusive talvez até possamos estender esta importância a outros países debito o talvez apenas na conta de não participar do dia a dia destes países, hoje inventamos posições de trabalho com intuito de apadrinhar diferenças sociais, em lugar de ocuparmos as pessoas em atividades capazes de criar mais valia para a humanidade as encaminhamos a produzir com o único objetivo de beneficiar alguns em detrimento de muitos.


     Como efeito colateral provocado pela falta de talento, pois a incompetência não abre mão de consequências desastrosas, adicionamos injustiça social aos desmandos do exercício de poder em que se submete a sociedade, graças à delegação do poder a pessoas inábeis, assim me identifico ao ideário desse escritor e não consigo associar nenhum valor ao trabalho que não resulte em acumular benefícios sociais e felicidade para a humanidade como um todo. 

terça-feira, 14 de abril de 2015

Processos Gestão Sim, Engessar Não!

     Afirma-se neste momento na comunidade, considerando clientes e profissionais, a necessidade de automação de processos, mais e mais encontramos empresas com solicitação de motor de workflow, o que traz recordações do meu início profissional, quando sonhávamos e tínhamos os modelos teóricos, mas não possuíamos tecnologia suficiente para construção de eficientes motores, tecnologia essa que hoje nos sobra.

     Alentador é o fato de que o mercado está buscando entender melhor como são feitas as tarefas no seu negócio, por quais atores, em que regras, trilhando o bom caminho para tal que é o mapeamento dos processos com objetivo de conhecê-los, medir sua maturidade, documentá-los de forma transparente e principalmente buscar seu redesenho alcançando melhorias que gerem valor.

     Temos já um bom time de especialistas trabalhando com gestão de processos no mercado, não que montar uma esteira de informação automatizando do início ao fim o processo seja a solução ideal em todos os casos e sim o simples fato de repensar o negócio é por si só salutar para as organizações e que seja esse o espírito continuadamente analisar e redesenhar, a famosa melhoria contínua.

     Certamente em muitos casos seria interessante a reengenharia, isto é, começar do zero, porém quase sempre essa se mostra impraticável, ou seja, passa obrigatoriamente pelo confronto com a realidade da empresa e do mercado no hoje, aposto que com uma eficiente gestão de processos implantada, podemos caso seja necessário atingi-la, pois o perfeito conhecimento do que fazemos é a base definitiva para garantirmos a migração para novos processos e quem sabe por que não até para a quebra de paradigmas.

     Uma boa modelagem de processo deveria passar pelas mesmas características do principal processo que conhecemos que é arte de viver do homo sapiens, que podemos afirmar é um sucesso por sua longevidade e por seus avanços tecnológicos, e aqui começa o bom desafio, como criar uma modelagem que atenda o principal que é a recriação permanente do processo usando as decisões tomadas a cada momento em sua própria execução, em outras palavras incorporar a inteligência do aprendizado.  


     No último domingo vi o excelente filme “O Gebo e a Sombra”, em pré-estreia na Cinemateca Capitólio do diretor “Manoel de Oliveira”, obra dos seus 105 anos, ele que viveu até os 107 anos, que nos mostra uma vida, a do Gebo, engessada o levando a lugar nenhum, engessar os processos teria a mesma consequência condenar a organização a um fim melancólico como foi o desse protagonista.     

sábado, 11 de abril de 2015

Objetos, Rotina, Inicia o Dia.

     Começa o dia com a chaleira chiando, motivo? O espetáculo inglório esquentar a água para o coador festejar o café que o bule recebe prazeroso esse último reclama de supetão o esvaziar-se do precioso líquido em benefício do copo térmico, que por sua vez vangloria-se de ser ele e tão somente ele a sair comigo até o pátio do condomínio onde consumo o seu conteúdo tendo como parceiro inseparável o fumar de uma cigarrilha e a organização mental necessária para decidir, para pensar.

     No quarto o chinelo batia pé furioso, nunca podia fazer um passeio mais longo, nunca estava liberado para sair do portão do condomínio, enquanto ele bem o sabia que o tênis por quem estava sendo trocado nesse momento, assim como ocorria todas as manhãs, dava quatro voltas no traçado quase plano do Iguatemi em minha companhia, tudo bem! Às vezes era na rota em aclives e declives do parque Germânia onde temos um ar mais puro o que apenas lhe provocava ampliar a inveja, quase sempre caminhando são escritas minhas postagens na memória para futura edição.

    Caso possuísse relógio, estaria quase na hora de bater o aviso de duas horas após o despertar, fim da caminhada novamente em casa e aquele alvoroço na cozinha, em frenesi trafegam os componentes do futuro desjejum entre o gelado refrigerador e o quente fogão, tomo meu suco enquanto movimenta-se a frigideira, o prato, o copo, os talheres cada qual querendo ser mais útil na preparação dos ovos mexidos com seus fiambres e múltiplos queijos, sendo poucos os objetos da cozinha reclamam todos do seu excessivo uso, tudo termina como descrevo nos próximos atos, primeiro sentado na cama a alimentar-me e segundo limpar os utensílios na pia eliminando todas as pistas do acontecido.

     Lacrimejam as toalhas cansadas de se molhar todas as manhãs, a pequena por meu tique maníaco de várias vezes lavar as mãos e a grande por causa do volume do corpo e comprimento do cabelo que hoje me caracterizam, seu alento é que estão mais molhadas somente as roupas de baixo, cueca e meias, que por hábito são lavadas durante o banho, sempre que posso o tomo frio com água na temperatura normal o que me deixa mais atento a mim  mesmo.    


     Ritual feito eu estou pronto por mais um dia a exercer a vocação de conviver com os outros, quanto mais simplifico minha vida, menos necessito e o pouco que tenho torna-se importante por sua repetida presença, me apego aos objetos por me serem úteis e só aos que o são, me apego aos movimentos por me serem saudáveis, me apego à oportunidade de pensar por mim mesmo por me libertar.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Múltiplos Caminhos um Processo

    O Projeto do ser humano adulto cresce no pensamento infantil à medida que esta criança vai avançando para a adolescência, em sua infância adivinha o futuro acalentando as situações futuras por vivenciar, isso ocorre em conformidade com o ambiente de convivência social que lhe é imposto e certamente influenciará em suas futuras escolhas.

     Igreja Católica, eu era um sacristão (ajudante de missa) desastrado quebrando Galheta, não lembro se a da água (o povo) ou a do vinho (a divindade), alimentando um sonho de criança em ser padre quando crescer.

     Teco-teco, o piloto e eu dentro do pequeno avião em voo vulgarmente chamado de parafuso, isto é girando de cabeça apontada para o chão, qual a ideia? Assustar-me, qual o resultado? Encantaram-me, então ser piloto era meu novo desejo de vida futura.      

     Televisão, uma antena no alto de um tronco de eucalipto e um aparelho em casa lá no interior do nosso Rio Grande do Sul era um dos primeiros da cidade, minha grande facilidade com a matemática, um mundo de construções, eletrônica com novos sinais aparecendo por todos os lados, indústria com suas máquinas sofisticadas só podiam despertar e fazer crescer a vontade de ser engenheiro.     

     Ser padre era a força da família católica presente que somada aos amigos de origem alemã, que se não eram católicos eram luteranos praticantes, isso com o passar do tempo determinou minha participação na pastoral de juventude, na luta contra a ditadura, no engajamento como ser político, em encontrar minhas verdades e minhas paixões por ler, escrever, teatro e cinema focando forte na filosofia, sociologia e psicologia.

     Ser piloto de avião manifestou-se na minha vocação de nômade, aparecia já na paixão pelos riscos desde a aventura de teco-teco, sempre gostei de estar com o pé na estrada, adolescente mochila nas costas, no tempo de executivo trabalho com viagens constantes e hoje decididamente um caminhante, como qualquer navegante nunca deixei de ter um porto seguro para mirar, para imaginar poder voltar, mesmo que pouco lá estivesse.

     Ser engenheiro, todos os caminhos apontaram para esse destino, não o engenheiro da mecânica, eletrônica ou civil, mas o engenheiro da lógica, dos processos, da tecnologia da informação, felizmente juntando o gostar e o como sobreviver, o que tira um pouco a carga do modelo consumista em que vivemos.

     Processo único com seus múltiplos caminhos paralelos concretiza no dia a dia pelo processo de decisão o assumir e transformar dos sonhos acalentados desde sempre, à medida que aumentava o conhecimento das coisas e das pessoas os vários “eu” modelavam o que hoje sou. 

sábado, 4 de abril de 2015

Ando Meio Desligado...

     Você vai dizer Mutantes de novo! Nada a ver e tudo ser, adolescente curtia essa sensação em paixões de minuto envolvendo todo meu ser, essa história de não sentir os pés no chão, de fato via-me de fora completamente envolvido dessa coisa tão nossa que é se entregar à vida em seu estado de pura emoção e olhava com os olhos da razão e achava bom.

     Embaixo da máscara de oxigênio, esse em seu volume máximo, o ritmo do corpo em busca da vida, por certo não havia decisão racional, por certo não havia espírito a comandar o corpo e sim uma vontade só física de absorver o ar no ritmo do desespero que exige vida, o compasso das necessidades do coração bombeiam a vida por todas as artérias em luta inglória, porém incessante contra a morte.

     Essa intensidade que podia tomar conta por inteiro da gente naqueles tempos, pouco se explicava também, lembro-me bem que agarrava qualquer momento de vida sem barreiras, sim freios não os havia, sempre a busca do tête-à-tête como que respondendo ao instinto de completar-se com o outro, claro andávamos aos bandos, porém sempre direcionados a encontrar mais e mais momentos de dois a dois realizarmos o objetivo da criação.

     Não me contive a apenas olhar o ritmo deste respirar, passei a tentar imitá-lo, aspirar e expirar o ar no mesmo intervalo de tempo, como que querendo sentir essa necessidade física de viver, deixar o meu corpo embalar-me no ritmo da vida que eu ali via, vendo e repetindo observava o rosto todo deformado dedicado por inteiro a ter todo o ar que necessitava e só pensava como é forte o instinto de sobreviver.

     Tomado pela alegria do encontro reproduzia todas as alterações que bem o conhecemos, face rubra, um quase tremer, respiração mais forte, um bater rápido do coração, sim o sabia são um monte de hormônios que tal qual rios abertos circulavam internamente no corpo, e um esforço enorme para dizer as palavras certas, como se alguma palavra pudesse ter qualquer força sobre o que era acima de tudo manifestação de dois corpos que se atraiam como se imãs fossem.

     Em frente à cama no hospital, estava claro que para ela, nada, nem ninguém interessava, tudo era concentrado no grande esforço de viver, se parasse de respirar todos os mecanismos iniciados dessa luta travada célula a célula contra múltiplas infecções não mais seriam alimentadas pelo sangue oxigenado e o calor interno do corpo desaparece pela imobilidade da circulação, só parar um minuto de respirar e tudo se acaba, fica um corpo rígido e gelado.   

     Compreendo bem, que o corpo e espírito são mecanismos do ser humano que trabalham no conceito horizontal, em cooperação, sem ordem de comando por parte de nenhum dos dois e quando funcionam bem juntos refletem o que costumeiramente definimos como estado de felicidade que tem como sinônimo mais forte o termo vida.             

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Olho e Não Vejo Nada

     Certo quase amanheceu e entre um copo térmico de café e uma ou duas cigarrilhas me encontro com alguém entrando no nosso prédio, com seu capacete de usar na moto ainda enfiado na cabeça, cumprimentamos-nos, é o início de um dia para mim e o fim de uma tarefa noturna para ele, observo que os extremos passam pelo mesmo ponto do tempo, não recebo nem passo qualquer informação, fica tudo por conta da imaginação de cada um de nós, lembro que já tinha passado o entregador do jornal do dia e depositado o mesmo com suas velhas e repetidas notícias em algumas caixas de correspondência do prédio, já tinha um segurança do shopping vizinho feito sei lá que tarefa de controle no estacionamento em frente no outro lado da rua, então estamos é hora de realmente acordar.

     Coloco meus tênis e saio para caminhar, sempre no mesmo horário, com mais ou menos ímpeto dependendo do fim de dia anterior, começo um descortinar de encontros, gosto de cumprimentar com ou sem expectativa de retorno, sei lá algo me diz que é saudável manifestar de viva voz um desejo de um bom dia, alguma simples frase de presença nas relações do dia das outras pessoas, sempre aparecem muitas oportunidades para tal, ora outros caminhantes, também muitos corredores, pessoas ocupadas em exercer o trabalho de proteger patrimônio, outras esperando para começar um dia de trabalho, aproveito e curto esses espaços de sociabilidade.

     Não sei bem porque, deve ser do meu temperamento, procuro encontrar uma pista, em verdade não sei de que tipo, em cada um destes "cruzar de caminho", eu sou sim observador e gosto de olhar, ver de corpo inteiro, penso inclusive que quase sempre sou inoportuno, as pessoas não gostam de prover sua imagem para terceiros, e assim manifestam todo um ritual de contato, algumas com seus rostos alegres, outras com suas feições fechadas, têm sim certo distanciamento e até expressões de nervosismo de inquietação, cada um desses movimentos eu tento decifrar e encontrar qual alma esconde-se por trás destes atos.

     Claro não vejo nada, imagino tudo, até catalogo profissão pelo visual que se apresenta, se erro ou não nunca saberei, pois ninguém me revelará claro o que fica comigo é o ser que criei, esse sim me acompanha pelo tempo que eu o quiser, normalmente não ando com multidões me contento com muitos pequenos espaços de tempo com diferentes criaturas, multidão para mim é a quantidade de situações que envolvem ver pessoas em um simples dia.    


     Sim isso do título é Mutantes, "Olho e não vejo Nada", mas me lembrar da letra é consequência pura da associação de recordações de um tempo mágico, o fato está na sensação vivida quando sempre que me desloco por ambientes diversos enxergando diferentes pessoas, com os meus filtros iguais para todos e tão particulares, esse tipo de olhar não desserve a ninguém e gera uma vida infinita em mim, é um mundo encantado de personagens imaginárias, com essas eu curto viver.