segunda-feira, 30 de junho de 2014

Da Prostituição

     Relendo Vitor Hugo, não tenho dúvidas, todos vocês já se detiveram um olhar por seus livros, em sua obra prima "Os Miseráveis", não é necessário sair do prólogo para ver a característica de toda obra, isso lá no século XIX ele afirma que o mundo melhor depende da solução de três problemas:

     "A degradação do Homem pelo proletariado, a prostituição da mulher pela fome e a atrofia da criança pela ignorância".

      Se ele vivesse hoje, como bom francês diria "merde", estamos no século XXI e além de não os solucionarmos o que conseguimos foi agravar, pois continuamos a impor ignorância como oportunidade de dominação ampliou-se a degradação do homem estabelecendo uma moral que escraviza e principalmente ampliamos o conceito da prostituição, hoje não falamos da mulher, mas da prostituição do ser humano, homens e mulheres, pela fome de alimentos para o corpo e para a alma essa última atrofiada por uma mensagem subliminar de consumo.

     Em minhas andanças por aí, tive muitas oportunidades de conviver com a noite e com seu principal serviçal, a prostituta, que não se enganem não é a protagonista e sim a operária dessa indústria, não o fiz em busca da carne, mas em busca de companhia de partilhar momentos com o ser humano, tive oportunidade de acompanhá-las no pós-trabalho onde vivem suas vidas reais, prolongar conversas, partilhar seus fins de noite, ter amizade e camaradagem.

      Admito todos os pensamentos em contrário, mas confesso em nenhum momento vi algo diferente como motivação para a opção de vida dessas moças do que a fome tão bem colocada por Vitor Hugo, e vou mais adiante essa mesma fome dirige hoje a vida de homens e mulheres na maioria das opções que tomam na vida.

     Por óbvio, não estamos falando de apenas pão e água, estamos falando desta fome de consumo tão bem trabalhada pelas estruturas que detêm o poder, e em nada vejo de diferente as motivações usadas como desculpa no resto da sociedade para submissão do que as que me apresentavam as gurias chamadas de vida fácil.


     Estamos falando de pouco mais de dois séculos e nada de rompermos essa cadeia, precisamos com urgência libertarmo-nos, espalhar a luz do saber, combater a escravidão e eliminar a fome que nos prostitui.        

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Do Trabalho

    Sempre trabalhei, e nunca acreditei no trabalho, de pequeno por ser muito ativo comecei apagando fichas de lançamentos bancários, assim puderam ocupar-me, depois entrando na adolescência passei a ser controlador de uma obra, terminada a mesma fui dono de bar de colégio, alugado do colégio marista onde estudava, em continuidade trabalhei em uma fábrica caseira de mata mosquitos, engarrafando, rotulando e empacotando vidros de inseticida, foram essas últimas as minhas atividades entre os 10 e 16 anos, além de estudar e participar de comunidades como escoteiros entre outras, essas atividades me permitiam ter acesso a algumas coisas que só o dinheiro podia liberar.

    OK, eu cresci então entrei no mercado oficial de trabalho com carteira assinada e tudo mais, em outras palavras o trabalho simplesmente sempre fez parte do meu viver e de certa maneira sempre razoavelmente bem-sucedido, o que não significa que em algum momento pus alguma fé nele, apenas adaptei-me a sua existência e necessidade.

     Inevitável foi optar por buscar trabalho por conta depois da experiência como empregado, consegui conviver com cinco empresas, sempre com a dicotomia de sair-me bem, ser reconhecido e sentir-me não ajustado à estrutura e hierarquia nisso consumi dezesseis anos de minha vida, consequência lógica passei a trabalhar à minha maneira.

     Pensei assim estar com o problema resolvido, eu era a empresa, porém me passou despercebido o óbvio a empresa vive em uma coletividade de empresas, governos, associação, onde os problemas repetem-se pela definição de sociedade que temos.

     O problema não passa pelo trabalho em si e sim por uma construção que elege o trabalho como forma de poder, onde mais do que buscarmos frutos, estamos preocupados em manipular pessoas mantendo-as ocupadas e dentro de nosso mando, dentro de nossa influência, definindo hierarquias e dominação.


    Acredito sim em uma sociedade de trocas onde a coletividade produz para o todo, agregando então felicidade pelo fato de produzir, valorizando o trabalho como manifestação pessoal a serviço do bem comum, mas parece que com o passar dos dias mais e mais estamos nos afastando desse ideal.   

terça-feira, 24 de junho de 2014

Regressão de Corpo e Alma - Sentença em Primeira Instância

     Vamos lá, vejam comigo, não lhes parece que as pistas são claríssimas, desencontro, desajuste continuado, incapacidade de ser socializado, não foi assim que vocês o sentiram ao lerem os primeiros dez anos.

     Todos vocês que fizeram a gentileza de me acompanharem nesses relatos perceberam logo ele gostava do castigo, da reprimenda, não por ser masoquista, não por não sentir tristeza, não por não se magoar, mas antes de tudo agarrava-se a ele como salvo conduto para no próximo momento fazer o que bem entender.

     O mais estranho que percebi, não sei se concordam, foi o permanente participar de tudo, de todos os acontecimentos, envolvendo-se com todas as pessoas sem abrir mão de seu livre-arbítrio, ou seja, circulava já nesse tempo como se fosse mais um, participando sem envolver-se, sem contaminar-se pelo pensamento comum, seguindo em linha própria.

     Sim sei que algum de vocês vai contestar-me dizendo "isso é comum em todas as crianças, são egocêntricas por natureza", mas não pude convencer-me poderia até pensar que consegui ver é o estranho evitar o conflito, aceitar de bom grado todos os argumentos, porém desautorizando-os no momento seguinte, por ocasião dia a dia realmente vivido.

    Bem o que me pareceu mais grave é que até os sete anos, um pouco mais ou um pouco menos, a ciência tem nos dito que se define toda a personalidade do ser humano, e os indicativos que se apresentam neste caso específico não são nada animadores, parece-me próximo do impossível que ele possa incorporar os sonhos da coletividade, acredito que seja um caso perdido e o desajuste é o único caminho.


    Bons talvez tenham surpresas no pós-infância, na adolescência e juventude, podem aparecer indicativos que permitam ver que todas as análises feitas estavam equivocadas, por isso continuo a contar os fatos a mim relatados em sequência, sigamos...

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Da Religião

     Difícil descrever o caminho de como cheguei ao que sou hoje, porém a religião foi extremamente participativa nesta minha transformação, devo a ela boa parte da minha formação.

     Nascido e criado em família católica praticante, estudando por muito tempo em colégios coordenados por religiosos, primeiro luterano, depois católicos, quase todos os meus filtros pessoais passaram por análises em conteúdos expostos por religiosos, tanto é que menino pensava em ser piloto de avião, engenheiro ou padre.

     Chegando à adolescência parti para a militância na pastoral de juventude, me joguei com força total na busca de grandes conhecimentos que os coordenadores da mesma propiciavam, falando então de protagonistas das diversas instituições católicas desde padres seculares, passando por irmãos Maristas e padres Jesuítas, tudo isso me trouxe desenvoltura e conhecimento.

     Por sorte minha esses movimentos não tinham orientação fanática e sim de busca de conhecimento, encontro das necessidades do próximo, abertura e liberdade, talvez minha oportunidade tenha sido eu vivenciar o movimento exatamente quando o país vivia sobre a sombra da ditadura e o mundo enfrentava um de seus maiores momentos de questionamento.

     Devo admitir que o primeiro ganho foi desenvoltura pessoal, facilidades de movimentar-me em público, comunicar-me com as pessoas, ouvir, expressar pensamentos e sem dúvida nenhuma principalmente refletir, autocriticar, criticar e decidir.

     Este movimento, onde interagia com pessoas muito bem preparadas e com grande manancial de conhecimento, me ajudou muito a encaminhar o meu gosto por psicologia, sociologia e principalmente orientação para a filosofia, na época extremamente marcada pelo marxismo e outras correntes de esquerda.


     O resultado foi o esperado, não um agnóstico, mas sim um ateu, sim foi o caminho que escolhi, porém sempre respeitando e muito quem acredita e segue uma religião, bem como as mesmas, admitindo que como qualquer organização trabalhe com erros, porém colecionam inúmeros acertos sendo o principal a valorização e formação do homem, assim como o fizeram comigo.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

.Ermitão século XXI

     O velho ermitão da Idade Média não está extinto, sim temos o modelo moderno, onde sua caverna é um apto de um quarto, dos mais simples aos mais sofisticados, seus utensílios rústicos uma cama de casal, um fogão, um refrigerador, claro as parafernálias de áudio, vídeo, internet e de preferência não acomodações a terceiros.

     Seu espaço, mais seu hoje do que nunca apesar da globalização, tal qual nos tempos antigos, tem lugar para a autoconvivência, suas precariedades têm o valor de sua riqueza, seus livros, seus acessos ao mundo globalizado.

     A extensão do seu dia completa-se em seu lado andarilho, pelos inúmeros pontos culturais públicos ou privados, passando pelos botecos de conversa e chegando às grandes festas públicas onde as pessoas se aglomeram ora encontrando-se ora desencontrando-se.

     Cada vez mais os vemos circulando, pois os tempos atuais exigem caminhadas, a olhar e a serem observados, sem a pretensão de encontros que não os do acaso e de difícil continuidade.

     Encontramos também por certo os fanáticos que se encerram no mundo virtual, imaginando aí vida real, muito raramente participando de algum evento a não ser os provocados e relacionados ao mesmo.

     A maior diferença passa pelo sexo, hoje não mais um privilégio masculino esta opção de vida e sim de todos os sexos, a expressão todos aqui foi colocada pelo politicamente correto é claro.

     O momento é de transição, ainda não aprendemos a viver sozinhos, o desejamos com certeza, buscando relações mais livres, menos dependentes e mais completas, uma verdadeira cadeia de acréscimos onde não necessitamos nos dobrar, diminuindo-nos às exigências do outro.  


     São tempos de dedicação como sempre foram não mais aos seus deuses e sim ao homem.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

TI entre a Soberba e a Humildade

     Não pude fugir da tentação de falar um pouco mais de TI, pois fazendo nosso trabalho o mesmo nos exige o desafio de nos posicionarmos na régua que tem em uma ponta a Humildade e na outra a Soberba, e por certo o ponto de equilíbrio é a igual distância entre as duas extremidades.

     Humildade se manifesta pelo reprogramar incessante, em busca do agradar ao usuário / cliente, o que não me parece bom, tanto para mim desenvolvedor tampouco para quem utiliza nosso sistema, pelo simples fato de que não somamos apenas manifestamos o que foi pensado por outrem, o que dificilmente resulta em aplicações maduras.

     Soberba, bom a tentação da vaidade é enorme, partimos do pressuposto que sabemos tudo que nosso cliente necessita e que somos os arautos da boa nova e como tal podemos ensinar o famoso "caminho das pedras", ou seja, conhecemos o negócio mais do quem vive dele, acabamos criando algo que não resolve o dia a dia do cliente.

     Protótipo é um bom caminho, se ainda acrescento a utilização de métodos ágeis, o que nos exigem negociações permanentes, estamos mais próximo do centro entre estas duas pontas indesejadas.

     Métodos Ágeis exige estudo aplicação e principalmente entendimento, não é uma receita de bolo não é um conjunto de regras a serem seguidas e sim um esforço permanente para achar o caminho adequado para cada time, quando falo em time falo não em equipe de desenvolvimento e sim no conjunto desta com todos os interessados diretos e indiretos no processo.

     Protótipo sem usuário, sem dados reais, é apenas outra maneira de vermos a mesma coisa, do mesmo jeito que o pensamos quando nos foi proposto o problema, o pensamos quando terminamos de desenvolvê-lo, isto é testamos e aprovamos nossos erros, não os enxergamos.


     Defendo sempre a metodologia da construção na medida exata para cada organização apreendemos com o esforço continuado via execução, reflexão, correção de rumo, nova execução.           

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Regressão de Corpo e Alma - Infância

     Não, não vou deixar vocês em desvantagem, lhes passo mais alguns flashes do que tenho conhecimento sobre a infância dele.

     Ele fora pego de surpresa, Papai Noel não existe, era seu primo mais velho esperto a lhe falar na casa do avô, não teve dúvidas imediatamente fez sua parte na troca de confidências, inventou de pronto uma estória na qual era protagonista, com cabanas sobre as árvores e dois grupos rivais que se defrontavam na cidade interiorana onde morava, com flechas e outras armas mais, soube do impacto da invenção pela conversa do avô que teve de assegurar ao primo que era tudo invenção. 

     No colégio era difícil contê-lo, pois nos primeiros 10 minutos já achava que tudo sabia e partia para distrair-se e distrair os outros, realmente dificuldade só havia de concentração, como também era quase impossível o manter dentro de casa, seu pai achou uma solução apagar escritos a lápis em fichas, onde o rascunho depois datilografado não era mais necessário, pagando-o como se fosse um emprego.   

     Essa atividade toda só podia gerar várias quebras de braço, de clavícula, convivendo sempre com mais velhos em 3 a 5 anos, foi fácil arrebentar-se em uma gangorra, como também ter um osso exposto ao cair de um muro de 2 metros de altura, lembranças bom os círculos maravilhosos provocados pelo éter da anestesia necessária para colocar os ossos no lugar e muitos potes de coalhada para fortificar os mesmos.       
   
     Em suas traquinices, não faltou ainda piá para fumar vender garrafas velhas, isso quando não estava lendo e aí servia qualquer folheto, estórias em quadrinhos, fotonovela, até as famosas seleções traduzidas do inglês e principalmente qualquer livro que aparecia em sua frente.

     No terraço do primeiro andar vendo o pé de chorão que tinha seus galhos como cipós encostados no mesmo, não teve dúvidas isso deveria funcionar como para o Tarzan, e tentou o voo, resultado caído de costas no chão teve instantes que não sabe dizer quantos de inconsciência.

     Para alimentar seus incontroláveis sonhos não podia faltar sua primeira imaginária namorada, sim a amava, tinha esta vantagem de morar em uma das poucas casas com televisão na cidade, e lá estava ela ao seu lado a loirinha de olhos azuis, olhando televisão, porém aos seus olhos iludidos em namoro apaixonado seguido de muitas noites de sonho. 


     Assim penso fecha-se um ciclo os seus primeiros dez anos e acredito que temos material suficiente para uma primeira opinião, o que podemos fazer juntos na próxima postagem.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Da Política

     Apesar do meu ceticismo é certo que sou um ser político, mesmo negando-me a participar dos acontecimentos que envolvem a política hoje, o que por si só não deixa de ser uma manifestação política, não temos como não estar envolvidos com a sociedade e assim nós somos políticos.

     A década de sessenta tinha que provocar minha reação, comoções internacionais como a morte do papa João XXIII, a morte de Kennedy, o próprio programa do queijo americano para a nossa merenda escolar, acompanhar a legalidade e depois o golpe de estado pelo rádio, tudo isso me tornava participativo do debate nacional.

     Caminho lógico que segui ativo envolvido na pastoral da igreja católica e nos movimentos estudantis, sim participação permanente, não tinha como evitar analisar as questões do nosso país e do mundo.

     Uma reunião em especial com frei Beto, bem presente na minha memória, foi em Santa Maria no seminário, exatamente quando as coisas estavam quentes depois do AI-5, falávamos e vivíamos as grandes teses nacionais era um momento de grande conturbação na vida das pessoas psicologicamente e socialmente.

     Praticamente as leituras obrigatórias passavam pelos autores comunistas, e tive grande satisfação na época em ler O Livro Vermelho de Mao, além de pilhas de publicações sobre filosofia, sociologia e psicologia isso de todas as correntes de esquerda desde os sociólogos cristãos até os comunistas.

     Também tive a oportunidade de ver os grandes erros humanos que viveram os comunistas ao lambuzarem-se com o poder colocando a perder toda uma geração de pensadores que buscavam um espaço novo para o Homem com "H maiúsculo" que sonhavam parir.

     Acredito que a sociedade que promova seu bem principal, o Homem, ainda está por vir, a democracia como dizia o próprio Rousseau era para ser realizada em praça pública e não esse espectro da mesma que hoje vivemos com o nome de democracia representativa, que de fato não representa coisa nenhuma.


     Estamos completamente envolvidos nesta teia de aranha que trava nosso crescimento, formada por imprensa, negócios e governos e o que lamento mais, não será em pouco tempo que nos livraremos dessa Matrix, não vejo nenhum herói à vista.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Regressão de Corpo e Alma - Primeira infância

     Atento as suas lembranças percebi um espaço importante para dedicar minhas análises, pois à medida que iam aparecendo características físicas que permitem a independência pessoal, e o defrontar-se com o outro, teríamos amplo material para discutir.

     Cedo foi para o jardim de infância na escola luterana, é assim que chamavam a pré-escola naquela época, só descobriram que ele tinha se alfabetizado quando se instalou na cidade uma escola católica, como bons católicos trocaram-no de jardim, para surpresa de todos na primeira noite apareceu em casa a freira mandando o guri ler para os pais um livro, tinha que ir para o primeiro ano era seus cinco anos e sabia ler.

     Surpreso o vi lembrar-se principalmente do seu mundo noturno, suas noites na cama, começando por em sua imaginação armar verdadeiros exércitos, os amigos e inimigos e espalhá-los por toda a terra, contando-se a si mesmo estórias fantásticas, mas a imaginação não era tudo, dedicava-se a explorar sua sexualidade rolando-o sobre a perna, vivendo aquela sensação gostosa, até sentir um pinicão era ainda incapaz de produzir esperma, passo seguinte o sonho de sempre com cobras e aranhas, preanunciando talvez o bem sucedido Raul Seixas.

     Viu-se uma tarde deslizando pelo chão do seu quarto, para que sua mãe não o visse da cama dela, ela deixava a porta aberta para cuidá-lo em seu quarto, e passando pela janela basculante da cozinha em direção à tão sonhada liberdade da rua.        

     Inquieto, contou-me que uma determinada manhã viu seu pai despedir-se para ir a uma cidade vizinha a serviço, depois de ver negado seu pedido para acompanhá-lo, enquanto o pai saia pela porta da frente ele pela porta dos fundos correu a esconder-se no primeiro ônibus que viu, lá no fundo, atrás do último banco então se multiplicaram durante o dia as cenas:

     - Era procurado por todos os lugares, nos pátios, nas praças, nos poços da cidade onde vivia.
     - Na chegada do ônibus no seu destino uma viajante o reconheceu quando ele estava a caminho do primeiro trem que passava próximo da rodoviária.
     - A senhora o reteve durante o dia em sua companhia, enchendo-o de chocolate, para acalmá-lo, até sua volta.
     - Obviamente quando voltou o pai, que já tinha retornado, esperava-o com uma surra bem programada, na época ainda era politicamente aceitável, apanhar do pai, o que em realidade nunca o magoou.    


     Bom senhores vamos somando e vamos ver aonde chegamos.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

A Arte Ria - Final

   Finalmente o vi levantar da cadeira, sair do camarim e dirigir-se para seu espaço de estudo e reflexão, talvez outra peça, talvez outra plateia, mas muito mais o momento é de buscar leitura, cinema, uma convivência discreta com alguns lugares calmos, bons para ler, tomar um chope, e eventualmente discutir a vida com alguém, esse é o caminho que ele me confidenciou que seguiria, já tinha tentado isso anos atrás, porém interrompido por um relacionamento maravilhoso, abriu mão desse momento como única escolha saudável.

     Nada como um tempo vivendo este purgatório, onde pode somar os acertos e os erros, e sentir o conforto que a princípio parecia mágoa, era apenas o impacto da mudança, que ele por tanto tempo evitou, e agora lhe parecia claramente um caminho que deveria a muito ter tomado, tinha obrigação de entender que a camisa de força na qual estava preso não tinha como justificar-se.

     Parece, pelo menos assim o vejo, mais maduro, infinitamente melhor preparado, pois as incontáveis quantidades de coisas boas que lhe aconteceram servem de aríete para este novo começo, sei também que em alguns momentos o vazio deve continuar a aparecer, assim como o ex-fumante que de tempos em tempos cada vez mais espaçados precisa lutar por um instante contra a vontade de fumar, também ele deverá lembrar-se que a perfeição é uma meta, como diz Gilberto Gil, porém nem todas nossas obras serão bem acabadas.

     Os Atores e as Plateias merecem continuadamente renovar-se buscando os espaços de luz própria que gere vida superando a mediocridade que é a tentativa constante de acomodação a qual são tentados os seres humanos.

     Minha interpretação do que vi é simples, lembra um pouco a questão dos três dias em que é destruído e reconstruído o templo conforme Jesus disse ser capaz, o Ator tinha a certeza de que só sua morte poderia trazer a ressurreição e isso ele obrigatoriamente, para corresponder a si mesmo, deveria fazê-lo muitas vezes e provavelmente ainda o fará, pois vida é a sequência de momentos vividos com intensidade independente do grau de medição que estabelecemos para nossas emoções, todas as melhores são as que podem ser vividas.          


     Artéria, sangue, corpo, tecidos nervosos, paixões, alma a arte da vida, a estória está contada, todo final é um novo início e então talvez possamos ouvir novas estórias...

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Regressão de Corpo e Alma - O bebê

     Senhores a cena acontecia assim, pelo menos era como eu podia identificar pela descrição que ele me fazia, era início da tarde, tempo tranquilo, um pouco frio, normal inverno gaúcho, convidativo para uma sesta pós-almoço, ambiente familiar interior do Rio Grande do Sul, cidade pequena.

     O seu pai já tinha saído, era assim mesmo, preocupação constante com o trabalho e com a família, um almoço rápido e a volta aos afazeres profissionais diários, que apesar da sua juventude, lhe davam a alegria do sucesso como resultado, recompensa digna, de toda a dedicação e esforço que o caracterizavam.

     Por sua vez a mãe, sonhadora, que tinha buscado na cidade grande o trabalho para dignificar e tornar independente sua vida feminina, não teve saída acabou acompanhando o jovem marido ao interior onde oportunidade de trabalho ela não encontraria, sobrando então a casa e agora este companheiro diário, o primeiro filho deles, ser o primeiro certamente é tema para outras conversas que terei com ele.    

     Últimos afazeres domésticos feitos em mais uma manhã igual a tantas outras, no interior as coisas repetem-se muito mais, arruma o filho com seus acessórios e parte para um rápido descanso na cama de casal, os dois deitados, cena de carinho, cena de relax, uma breve pausa, em todo um tempo de cuidados que significam um bebê e uma casa.

     Chocante, o quadro que ele relembra, eu não sei se define tudo ou nada, sim ele agarrado no encosto da cabeceira da cama, nenê ainda nem caminha sozinho, com os dois pés apoiados sobre a cabeça da mãe, que enlouquecida de dor de cabeça, uma das consequências do parto, ou pelo menos sabemos que iniciou na ocasião do mesmo, não conseguia proteger-se, estava indefesa frente àquela tortura, precisou o acaso da chegada do pai para salvá-la, sempre preocupado em ver como tudo ia andando em casa.

     Claro a realidade queria expressar-se como todo início de tarde com ele dormindo ao lado da mãe o amparo do carinho o sono da eterna ligação mãe e filho.

     Sabemos todos nós que a pintura da realidade acima apresentada é apenas o contraste, analisada fora do contexto nos permite ver maldade, por que não?  Podemos ver amor, também nada a ver? Interpretamos conforme nosso momento interior é apenas uma imagem que manipulamos como quisermos.

    Podemos olhar pelo que temos, como uma situação normal, uma criança recém-nascida fazendo seus primeiros movimentos sobre suas próprias pernas e uma mãe vivendo o mau momento de uma superenxaqueca o que a deixava desarmada para cuidar da criança.

     Talvez isso fosse o indício do que estava por vir, uma criança muito amada com ímpeto de viver de aprender a expandir-se sobre o mundo, envolvida em um cenário 

segunda-feira, 2 de junho de 2014

A Arte Ria - Acha Do Amor

     Fui sim testemunha dele no Camarim chegando, ao início de tudo, simplesmente maravilhoso, encontro provocado pelo destino parecia perfeito, havia não uma alma gêmea e sim um perfeito complemento, a vida alegre linda festiva da Plateia com a personagem séria, pensante do ator.

     O que atormentava um pouco a plateia eram os espetáculos anteriores sobre os quais confidências mil lhe foram feitas e inclusive violentas intervenções de sua privacidade sofreu, porém havia um caminho dedicado a frutificar, e assim frutos maravilhosos ele produziu.

     O que atormentava o ator eram as plateias anteriores, seus jogos que ele não soube jogar, e entregar-se de todo novamente refletia insegurança para ele, machucar-se novamente nem pensar, sim o medo de envolver-se por inteiro era real, porém, superou, conseguiu plantar e colher os frutos almejados dessa sinergia.    

    Troca de teatro, uma, duas vezes aconteceu, melhoraram as acomodações, buscaram espaço bom de viver, respeitaram outras plateias e outros atores, encontraram em si compreensão, descobriram em si afeto, concluíram ter achado amor.

     Por certo dificuldades houve por certo o caminho não era simples, mas aos poucos se encontravam nas diferenças, aos poucos harmonizam os passados, aos poucos caminhavam na mesma direção.

     Havia claramente um clima positivo, crescente em enfrentamento de dificuldades e parecia destinado ao infinito do bem querer, seus defeitos eram respeitados e alavancavam a relação para seu melhor, em nenhum momento imaginaram o que poderia ocorrer em outra porção de dez anos de tempo, onde continuariam convivendo com este espetáculo, e como já tive a oportunidade de relatar a vocês, a transição do céu para o inferno é muito mais fácil e simples do que imaginamos.


     Artéria, sangue, corpo, tecidos nervosos, paixões, alma a arte da vida, continuamos outra hora, quem sabe...