sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Não Me Reconheço, Logo Escrevo.

     Minhas postagens nada mais são do que pistas para mim mesmo, sinalização de um alguém que talvez eu tenha sido na ocasião do ato de escrever, nem disso posso ter certeza, necessito deixar estas imagens, tal qual João e Maria, na famosa historinha infantil, com suas migalhas de pão espalhadas pelo caminho, e se os pássaros não as consumirem, eventualmente possam servir-me de espelho onde tente me reconhecer ou no mínimo vislumbrar um reflexo dos caminhos que percorri.

     Não tenho dúvida nenhuma sobre a caixa preta que sou, mas o que importa é conviver com este ato contínuo de desbravar a minha intimidade em busca de algo que se assemelhe à verdade, pois como fruto individual de uma ficção, pelo menos a partir de uma decisão autoral possa definir verdades que me representem.

     Meu roteiro preferido passa por esta sequência de ilusões que é o próprio fato de existir, e nestas pequenas estórias que invento para mim mesmo, esconde-se a verdade que por certo existe e que sou incapaz de visualizar ou compreender, mas a vivencio mesmo correndo o risco de realizar-se como a própria negação de mim mesmo.

       De todas as luzes que persigo para iluminar-me o espírito, talvez a mais importante seja a humildade, com quem reconheço me é muito difícil manter permanente comunhão, esta consciência de que a adição de valor que a mesma acrescenta ao meu ser em maturidade pessoal e em satisfação da necessidade de explicar-me, bem como o seu poder de tornar-me mais inteiro provoca-me a revisão constante de minha postura frente aos relacionamentos experimentados.   


     O fato de escrever para mim mesmo, não altera em nada a satisfação que também decorre de ser lido por vocês, pois imagino que vocês saberão ler-me muito melhor, suas virtudes pessoais de leitor irão se somar a cada palavra, a cada parágrafo, e à medida que passam os olhos por estes ocorre a transmutação em um novo texto, que por sua riqueza só poderia ser escrito por vocês que me leem.    

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Modorrenta Eternidade.

     Desafio a ser entendido, é a provocação que me traz, a constatação da quantidade de esforços identificados em pessoas e organizações objetivando o alcançar a eternidade, essa transcendência ao tempo sonhada por tantos e intensamente desejada por muitos tem algo de vazio em si mesma, o próprio desconhecimento do que seria “não ter começo nem fim”, sempre a vejo mais como medo da morte do que como uma aspiração propriamente dita.

     Recolhendo as mensagens das diversas manifestações de fé identificamos a eternidade para os “Bons” como a permanente convivência com Deus, sua principal atração, bônus valiosíssimo e exclusivo benefício, ao contrário para os “Maus” o castigo seria ausência dessa presença o que traria a infelicidade absoluta.

     Poderia ler e reler então todos os livros escritos, ver e rever todos os filmes, ter todas as relações que quisesse, mas o que realmente me motivaria sem o tempo? Como o sabemos ele nos seduz dando significado à vida, a atemporalidade é a própria morte, ou seja, a vida eterna é em verdade a morte infinita, a própria chatice.   

     Através dos tempos desde a antiga Grécia, sempre que pensamos no ser humano o vemos como agregação de diferentes camadas, corpo & alma (ou espírito como queiram) duas entidades que formam um ser único indissolúvel já no início do renascimento Descartes, por exemplo, trabalhou muito bem esse tema com sua linha filosófica a favor desta dualidade.

     Na parceria do corpo e da alma que segundo os cânones das organizações com foco no espírito, voltam a unir-se na eternidade, qual o corpo que escolho, da pureza da criança, da rebeldia do adolescente, da disciplinada maturidade, do final da existência, ou quem sabe com um pouco de “photoshop” encarnar a sonhada criatura dos meus devaneios.


     Penso sempre na cadeia de vida que nosso corpo gera mesmo na morte, a partir de sua decomposição, essa sim condicionada no tempo que inclusive a define, falo dela não como propriedade individual de alguém, e sim como propriedade da existência dos seres vivos e sua constante troca de energia, o que não é diferente para o espírito, que também antes e depois da falta de suporte do nosso corpo segue com as pessoas a quem tivemos o prazer de mostramo-nos e levam consigo as marcas desse nosso encontro, que mais necessitamos almejar além desse marco que nos define como síntese do passado e parte do futuro. 

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Só Kafka Para Descrever o Inatingível em Seis Meses.

     Publicado após a sua morte, pela informação que temos "O Castelo" foi escrito por Franz Kafka em seis meses, que não necessitou mais do que esse meio ano para nos mostrar o intrincado mundo da burocracia que nos conduz à completa abstração do real, e o continuado andar em círculos que nos leva a nunca atingir o objetivo, as interações do protagonista com os outros personagens mostram traços permanentes de submissão do imaginário coletivo da humanidade, um eterno adivinhar dos desejos do poder e adequar-se em comportamento a essas falsas necessidades geradas.  

     Não resta dúvida quanto à atualidade desta ficção, os labirintos hoje cresceram em sofisticação, porém seus resultados permanecem os mesmos, andamos sempre girando em torno de nós mesmos sem chegar a lugar nenhum, elegemos e criamos um poder que na verdade é o Deus inexistente construído pelo medo coletivo de perder o que não temos, de estarmos fora do prumo que nada mais é senão falsas maiorias estabelecidas por flashes de acontecimentos visualizados e emocionalmente curtidos, mas dificilmente analisados, muito pouco refletidos, quase nunca pensados.

     Na mesma linha inscreve-se o outro livro de Kafka, "O Processo", apenas exprimido os dois caminhos diferentes, enquanto no Castelo o protagonista persegue indefinidamente alcançar o poder para entendê-lo, no Processo o poder passa permanentemente intervindo na vida do protagonista sem que este saiba o seu por que e entenda o que o mesmo deseja, sem dúvida esses dois olhares completamente diferentes são indicativos de quão iluminada era a pena desse escriba por uma qualificada e rara inteligência.

     Sendo completamente desnecessário realçar o estilo belíssimo do escritor Tcheco, suas qualificações como um dos melhores escritores europeus são de conhecimento de todos nós que gostamos de ler, é importante nessa leitura de Kafka identificar seu conhecimento da psicologia humana, de seus medos excessivos, de sua visão da estrutura do poder, que nos aponta não para a competência e sim para um senso comum onde todos são mais realistas do que o rei, até porque esse rei é um emaranhado de regras autoproclamadas pelo coletivo e não um ser real.


     Sempre de tempos em tempos releio alguma de suas obras, para me manter longe da sedução do submeter-se a este maldito falso conhecimento, proclamado por uma maioria acéfala ensinada e estimulada por todo o sempre a reagir e não pensar, e recomendo-as como um grande alento para a alma de quem busca encontrar pelo conhecimento o caminho da liberdade.     

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Um Filme e a imagem da Violência em Estado Puro.

     Atordoado, foi assim que sai do Cine Bancários depois de ver o filme grego "Miss Violence" de Alexandro Avranas, são 98 minutos de violência em estado puro não imaginava ser possível filmá-la assim minuto a minuto, em todas as expressões faciais dos personagens, em todos os ambientes onde circulavam, em todas as palavras ditas em todos os movimentos executados, sim tão aturdido que a presença da violência não me permitia nem mesmo consternação para com as vítimas, ela tomava conta completa da minha atenção sem poder exercitar outro sentimento que não fosse o de permanente horror.

     E era uma violência limpa, asséptica, cirúrgica, fascista, de poder absoluto sobre as pessoas, e realizada em família, entre quatro paredes, organizada através do domínio absoluto deste pequeno círculo por um gelado machista, autoritário em casa submisso na sociedade, sendo retratados nesse espécime frio todos os atos que sabemos acontecem distribuídos entre inúmeras pessoas na humanidade, como se fosse o anticristo que concentrou em si toda a violência possível e a viveu, assim como Cristo concentrou todos os pecados dos homens para redimi-los.

     Mas além de nos mostrar esse pequeno mundo fechado, o cineasta ainda conseguiu abrir-nos os olhos para a completa incapacidade dos mecanismos sociais de evitá-lo, no máximo o que se conseguiu no tempo de duas gerações oprimidas foi uma leve suspeita, isso graças ainda a menina de onze anos que se suicida no dia do seu aniversário, ou seja, se não há uma iniciativa partindo das vítimas nem suspeita haveria, assim como o próprio derrotar da violência ocorreu dentro do próprio grupo, quando a mesma ultrapassou todos os limites suportáveis em relação à exploração sexual e psicológica.

     A manifestação de poder fascista era tão grande que a esposa, a filha, e a terceira geração, três meninas e um menino (talvez netos, talvez filhos do personagem, sempre de pais desconhecidos) pareciam bonecos de um show de ventríloquo: moviam os lábios, porém as palavras dele eram, tinham suas expressões faciais controladas por ele, e eles se moviam dentro e fora desse mundo fechado, expostos à vigilância permanente comportando-se como marionetes que ele manipulava fio a fio, impondo medos constantes onde pequenas transgressões eram punidas com rituais de castigos que deixavam claro que o pequeno clã só existia em função das necessidades específicas do personagem central e de seu egocentrismo.

     Saí do cinema convicto de que, apesar de estarmos em uma sociedade de alta exposição individual, o que vemos é tão somente a imagem que cada um deseja ou é obrigado a nos mostrar, sendo completamente impossível desvendar o que se encontra por trás dessa, a mim pelo menos foi essa a mensagem que me passou o autor, sempre ressalvando que o filme do ângulo do espectador pode não ter nada a ver com o do diretor.      

     

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Aposte é a Loteria da Livre Iniciativa.

     Repetimo-nos apesar das constantes mutações, sociedade de muitos rostos para uma mesma alma, o importante é manejar o imaginário de uma modernidade que nos é apresentada como o estágio superior, embora assentada sobre as mesmas bases de desde sempre, a servidão, independente de como essa se disfarce.

     Recomendam-nos a máscara de empresário, por todos os lados ouvimos é esse o momento, todo o tipo de incentivo é proposto para que as pessoas estabeleçam-se como entidades jurídicas, buscando estruturas de inovação que lhe darão o sucesso almejado, infelizmente tal qual apostar na loteria, são milhares de apostadores sonhando com um prêmio que obrigatoriamente elege suas minorias em detrimento da maioria que paga a conta, pois distribuir elimina a magia que escraviza.

     Joga-se ainda o mesmo jogo, de uma elite diminuta de homens livres e muitos servos, a sofisticação da economia e da tecnologia desloca o centro dessa divisão sempre mais em direção ao aumento dos servos e na diminuição dos homens livres, a ponto de hoje nos perguntarmos se os homens livres ainda existem e se não teríamos construído um mecanismo social que os tenha eliminado.

     Os mecanismos de opressão aumentam de complexidade à medida que os tempos avançam, criamos imaginários associados aos sorteados casos de sucesso, que nos seduzem, conduzindo-nos à livre adesão a milhares de horas trabalhadas voluntárias com condições inimagináveis mesmo nos formatos tradicionais de servidão, baseados em planos perfeitos que se bem aplicados nos levam sempre ao sucesso, quando o sabemos, tal qual a loteria não existe espaço para muitos eleitos, e a multidão de fracassos traz o bônus que será destinado ao sorteado vencedor.

     O decreto é claro, item primeiro “Todo mundo deve jogar”, item segundo “Ninguém deve saber do item primeiro”, assim a grande maioria mal remunerada destina seu esforço físico e intelectual para uma minoria de privilegiados e como se não bastasse isso, ainda transferirmos um sentimento de culpa para quem jogou o jogo perdedor, por óbvio não são os governos que o decretam é realmente um nível superior a esse, os governos apenas são os instrumentos utilizados.
  

     Além de movimentar a máquina de consumo, consegue-se com esse estratagema obter soluções interessantes e criativas a custo da ilusão de uma gigantesca força laboral de boa fé, e se necessário quando assim decidirem intervém impondo a força econômica para adquirir o negócio ou para fazê-lo fracassar, deixando o saldo de uma multidão de estressados e depressivos servos, urge repensarmos essa organização social deplorável.   

domingo, 1 de fevereiro de 2015

A Geração de Guetos

     Sempre foi assim, sempre precisamos construir nossos guetos, guerreamos com não cristãos nas cruzadas, caçamos as bruxas na inquisição, prendemos e exportamos comunistas na repressão, é assim que funciona o Ocidente buscando inimigos, o adversário da vez é o fumante, que colocado como câncer social cumpre o papel que o leproso vivia na idade média, oportunizando nas ruas a realização pessoal de agressividade que o ser humano insiste em usar no lugar do bom senso.

     A nova lei antifumo, legítima pantomima do mostrar serviço de um estado que para se distrair, visto que é incapaz de produzir bem-estar, dedica-se a controlar os cidadãos intermediando suas relações, processo absolutamente desnecessário, pois fumantes e não fumantes têm perfeitas condições de negociar eles próprios seus espaços, suas relações sociais e sempre foi assim, sempre as diversidades são resolvidas apenas com a boa vontade dos envolvidos.

     Não se necessita nada mais do que respeito, o que adquirimos pelo conhecimento não por decreto, para resolver o que a lei não solucionará os argumentos usados para intervenção direta sobre o viver do cidadão não passam pelas validações mais simples, tipo quantos tabagistas necessitamos para gerar morte passiva no mesmo tamanho de um simples veículo que passa pela rua bem na nossa frente despejando sua descarga poluente, por certo nossa cidade entupida de carros necessitaria algo do tamanho de uma China em números de fumantes para causar o mesmo efeito da multidão de automóveis que circulam inocentes, claro não posso brigar com automóveis é mais fácil brigar com pessoas.

     Não pretendo nem entrar no mérito das intermediáveis agressões à saúde humana, geradas a cada dia pela economia do lucro fácil com seu continuado desrespeito ao ser humano, esta sociedade, dita da “livre iniciativa”, continuadamente exercita seu poder de criar seres humanos doentes física e espiritualmente, com a complacência dos mesmos poderes constituídos.


     Não escrevo estas linhas para defender ou atacar leis particulares como essa, mas sim para combater esta máquina cruel montada para manipulação da sociedade através de pueris distrações, como a lei comentada, escondendo o seu grande objetivo que é manter a escravidão de todos nós em benefício de poucos homens livres (se estes realmente existem), e assim continuamos como dantes vivendo de pão, circo e acreditando que somos senhores de nós mesmos.