sexta-feira, 28 de novembro de 2014

A Saudável e Antiga Temperança Grega

     Gosto muito desta ideia, quando tiramos do foco a existência do poder como uma força central e o distribuímos no agrupamento social, como reação temos a consequente dispersão da resistência no mesmo fórum, que se reflete no dilema de sermos nós indivíduos resistência ou poder seguindo os ritos respectivamente do conservadorismo ou da mudança.

     Temos aí um jogo de caráter permanente e conflituoso por si só, cuja arena é o dia a dia, onde existe necessidade de vigilância, principalmente da resistência, pois enquanto o poder exerce-se com a naturalidade da má formação pessoal, a resistência em contrapartida exige o trabalho continuado de identificar o abuso possível, em quaisquer atos por mais transvestidos de insignificância estejam, pois o seu somatório no contexto global torna-se opressão como um todo.

     Encontramos a importância que a Grécia antiga colocava para a temperança, nada mais nada menos do que a luta constante de dominar-se a si mesmo, exercer o controle sobre seus prazeres, não coibi-los nem classificá-los, apenas colocá-los no contexto de uma relação honesta consigo próprio, os grandes pensadores dessa época a reforçavam como qualidade que por si só serve de guia para a grandeza da cidade, a força da comunidade livre.

     É um tema que pondero como atualíssimo, pois se joga pesado em marketing buscando a submissão das pessoas ao consumo de políticas, ideias e coisas, em síntese exercer poder sobre o pensamento individual através de mantras muito bem urdidos gerando movimentos e atitudes sem a devida independência pessoal, isto é, submissos.

    Urge apoiarmos e incentivarmos esta temperança pessoal, pois o autodomínio, a busca do prazer real, só pode ser obtido sob o firme alicerce da criteriosa avaliação particular em cada decisão, contrapondo ao prazer ilusório filho de oportunidades geradas artificialmente por estes pensamentos terceirizados, é a própria resistência o ato de pensar, cuja visibilidade sempre resulta em exemplo, respeito sendo por si nascedouro de novos seres resistentes.


     A mudança depende desta manifestação continuada de resistência e seu fator multiplicador que só a vivência hoje, agora, dessa saudável e antiga herança dos grandes pensadores gregos, a temperança, pode nos ajudar a conseguir.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Normal Love, cinema experimental uma impressão pessoal.

     Ontem na sala PF Gastal (Gasômetro) foi-me oportunizado ver o filme Normal Love de Jack Smith, abertura do Cine Esquema Novo 2014, confesso cheguei à sala de cinema completamente desinformado, a única pista era tratar-se de cinema experimental, e que equivocadamente imaginava serem experimentos dos dias de hoje.

     Confesso, o filme cumpriu seu papel a ponto de na caminhada de hoje de manhã que é o momento em que escrevo mentalmente minhas futuras postagens consegui perder-me no número de voltas feitas em torno Iguatemi, tão envolvido estava na análise do mesmo, de cara posso afirmar, ele cumpriu seu objetivo, pelo menos quanto a mim, que é fazer-me pensar.

     Claro além do próprio filme, havia algumas provocações adicionais:

- Primeiro minha completa ignorância do tema, pois sou desde sempre apenas um grande frequentador de salas de cinema, hábito este adquirido já quando criança nos dias de calor com as portas abertas do cinema, sem ar condicionado, poder sentar no muro de dois metros da minha casa no interior do RS e ver todos os filmes, todas as noites, e como adolescente, já em POA, viver a época de ouro do cinema autoral com Glauber aqui, Fellini na Itália e tantos outros contemporâneos pelo mundo todo.
- Depois a própria etiqueta experimental que, como o termo bem o diz, sempre representa um desafio para quem faz e para quem vê.
 - Finalmente o interesse de um pesquisador e especialista de cinema em saber minha opinião sobre o mesmo, possivelmente para ter o contraponto com os pensamentos da comunidade do cinema.

     De início a surpresa foi o diálogo formado só por imagens e sons, o que sempre torna tudo mais difícil para quem filma e para quem vê, porém, muito mais rico abre todo campo para a imaginação e te permite passar teu próprio filme.

     Gostei muito da fotografia, as transformações interagindo com a natureza e os seres humanos, se viam duas palmeiras à medida que a câmera se movimentava já era uma pessoa, e no passo seguinte um novo ser se revela, as pessoas e a vegetação se misturavam e se confundiam em diferentes figuras.

     Quanto ao som não pude casá-lo com a imagem, me agradou como som, apesar de um pouco alto demais, porém não vi completude em relação às imagens, certamente por incompetência minha sou da geração de melodias simples com letras fortes, não tenho cultura musical apesar de concordar com o pessoal do século XIX que colocava a música como arte primeira e mais pura e gostaria de escutar suas frases como os personagens de Proust.
     
     A mensagem recebida, uma grande viagem (com ou sem aditivos químicos), comum à época, pela integração do homem com a natureza, nossa relação intimista com ela, uma espécie de jardim do Éden atualizado, sem esquecer a relação entre a serpente e a mulher chavão que hoje definitivamente está no politicamente incorreto e a referência sempre atual aos sacrifícios humanos exigidos pela barbárie da guerra, aí sim cada vez mais tema politicamente correto.     


     Não há uma linha direta entre o pensamento do cineasta e do assistente, isso é sabido, certamente vi um filme muito diferente do que ele filmou ou quem sabe o mesmo, pois como vim a descobrir agora este filme é de 63, isto é da minha geração, o que pode aproximar-me dos sentimentos que o mesmo quis expor.