sábado, 28 de novembro de 2015

Bailado Sinistro

     Disjuntos curtiram o mesmo tom, dançando em lugares diferentes a mesma música, apesar do número crescente somos poucos...

     Andando a esmo pelas calçadas de nossas cidades tropeço ante a cena insólita, aqueles dois de mim perfeitos desconhecidos a enfrentarem-se, na calçada, na rua, nos bares, nas casas, aos gritos troca de palavras ásperas quando não explosões de violência física ou ainda exercícios de discriminação com humilhação pública, os participantes são incógnitos a cena não o é, mais e mais vezes deparo-me com ela e sempre resulta para mim a sensação de um nocaute próximo do bem querer.

     Disjuntos curtiram o mesmo tom, dançando em lugares diferentes a mesma música, apesar do número crescente somos poucos...

     Quando percebo esbarro neste murro imaginário, de fato não tão ilusório porque força-me a interromper a direção do realizar-me como potência, é o discurso e sua força de possessão sobre o homem, o símbolo se faz criatura e a construção mental poder, suplantando a própria força do existir, criado à imagem e semelhança deste, funciona como plena justificação de atitudes dirigidas contra a vida, o que por certo nos diminui por nossa transmutação de seres donos da existência para fantasmas escravos das ideias.   

     Disjuntos curtiram o mesmo tom, dançando em lugares diferentes a mesma música, apesar do número crescente somos poucos...

     Não estando em fuga sinto-me foragido não encontro o mundo onde se enquadre o homem que acredito, neste bailado sinistro do consumismo não me encaixo senão por engano em momentos de fraqueza que por certo todos os temos, e quando tentado a abraçar a violência e a fantasia das ideias conto com a luz de tantos outros que como eu são estrangeiros neste modelo de sociedade para que possa aprumar meu rumo na busca da sustentabilidade da vida.

     Disjuntos curtiram o mesmo tom, dançando em lugares diferentes a mesma música, apesar do número crescente somos poucos...
    
     Só iniciamos esta metamorfose onde o homem se faz existência integradora no conjunto das forças naturais, harmonizando-se com seus iguais que o são todos os seres vivos e mortos substituindo o bailado sinistro pelo ditirambo que em seu coro é a própria personificação do seu ideal Homem-Deus-Homem, se devemos nos ajoelhar frente a alguém só pode ser perante nós mesmos.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Decididamente Não Sei!

     Espera minha cara amiga necessito um pouco da tua paciência, desabam espaços sob os meus pés, não minha princesa, não estou bêbado, realmente o chão não mais é apoio confiável, rebelou-se por completo fazendo o que bem entende dando adeus ao meu equilíbrio, já sei vais dizer-me que estou exagerando, que estou lendo demais, desperdiçando meu tempo com pensamentos desnecessários, talvez até frequentando cinemas em exagero, valha-me deus este mesmo que inexiste, preciso de um ponto de apoio para poder ajudar a segurar a terra.

     Nada de confusões não sou candidato a super-herói ou à Atlas, para ser mais exato não sou candidato a nada, nem mesmo a um espaço em teu coração embora talvez o sonhe, apenas me credencio ao simples “Existir” este assim com letra maiúscula mesmo, não o que os dicionários traduzem por “ter existência real, ter presença viva, viver, ser”, a questão da vida que aí aparece não permite dúvidas o medo da morte a confirma, porém “real”, “presença” e “ser” são palavras por demais fortes para poderem ser aceitas assim ao sabor do vento.

     Se for para me jogar palavras pode deixar, quem as precisa? São fantasias puras nem mesmo podem ser entendidas da mesma maneira por mais de um ser humano, o que quero é poder olhar-te por inteira, observar um a um os detalhes de teu gesto, não só de olhos também de boca e língua, de nariz, de ouvido, de mãos e pele, cansei-me dos conceitos que apenas me afastam de ti, quero os sentidos que nos aproximam.

     Embora desconhecendo o autor da frase a “poesia fala dos mortos”, pois o poeta necessita matar seu objeto de paixão para sofrer o falar com o sonho inatingível, e assim construir sua musa, sem discriminação de gênero à imagem e semelhança de sua alma, inventando o amor, afaste-se de mim essa tentação intelectual coroe-me com a realização plena do meu corpo dos meus sentidos.


     Decididamente não sei se posso ser real a esse ponto extremo, que muito o desejo não duvide, espero não ser imagem modelada por outrem, sim a própria vida passo a passo construída e partilhada com todos que encontro no meu caminho, verdades do corpo são as mesmas do espírito e esta unidade em sua preservação deve ser resultado de nosso constante zelo, fica então a pergunta contigo nesta empreitada conto? 

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Hombridade Maculada

     Cara a cara recebo o pedido dela, reajo como um raio, na velocidade de uma faísca felicidade instantânea, eu gosto de ser solicitado, sempre tem um “porém” lembrei-me que o tinha tentado instantes antes em outra situação similar e falhara, martelava-me a dúvida sobre a possibilidade de sucesso a afasto contrapondo comigo mesmo que independente de qualquer restrição imaginável eu deveria tentar, por óbvio que nesses poucos instantes perpassaram em meus pensamentos as inúmeras possibilidades e suas consequências.

     Percebi em seu semblante a confiança de que eu poderia corresponder às expectativas, o mesmo estava belo, com um sorriso fácil, manifestando a certeza de um momento antecipadamente bem resolvido, o que ampliou a minha preocupação com a hipótese de uma possível falha, não gostaria de ser responsável por uma reviravolta no estado de espírito dela que agora me encantava.

     Admito certa alteração nos meus nervos, nada que pudesse transparecer para as pessoas ali presentes, me dominava aquele friozinho que nos atravessa por dentro nessas horas, o coração batia em compasso dessincronizado no tempo, o sangue expandia-se nas artérias por todos os membros, todas aquelas boas coisas que nos acontecem em relação aos outros ali estavam presentes em mim.

     Por outro lado ela estava apressada, não queria perder a oportunidade, tinha compromissos na sequência e certamente inadiáveis, admito que essa afirmação seja apenas uma suposição minha, mas só posso contar a história como ela acontece do meu lado e assim o estava vendo como uma oportunidade afinal minha aspiração era a realização do desejo dela.

     Deslocamos-nos afastando-nos da companhia dos amigos para um local reservado, a caminho a preveni que talvez não o conseguisse que tinha precedente, mas que não custava tentar, ainda bem que o fiz, pois realmente a lógica imperou, neguei fogo, falhei vocês sabem como nos desequilibra um momento desses, saber que lhe necessitam, que lhe querem e na hora H não ter a resposta, minha hombridade estava maculada.


     Aqui estou a contar-lhe isto agora que tomei todas as precauções, mantenho sempre meu bom zippo bem alimentado de fluído, voltei a usar um isqueiro desses descartáveis de reserva na minha mochila, assim penso em evitar em definitivo esses fiascos e nunca mais deixar na mão uma amiga com muita vontade de fumar.

domingo, 15 de novembro de 2015

Triste Homem que Colhe a Violência que Planta.

     Noite escura dos homens em plena cidade luz, não é um momento simples de tristeza, é momento de desolação de assumirmos a culpa todos, mata-se hoje com a facilidade da insensatez do homem, este que não consegue conviver com o outro sem a tentativa de explorá-lo, não é a hora de achar culpados os encontraríamos por todos os lados, é de reflexão séria sobre o organismo social que todos nós construímos e de reavaliar criticamente seus doentes fundamentos, rever as relações que definimos como corretas e por todos os lados vemos que não funcionam só geram violência.

     Transformamos tudo em um grande show, ora somos os gladiadores, ora somos o público sádico, aparecemos em postagens nas redes sociais, em manifestações coletivas, comunicando sentimentos inexistentes através de palavras vazias, em nada mudamos a postura do nosso dia a dia, continuamos a semear discriminação, exploração, falta de humanidade nos pequenos atos que empreendemos podemos então esperar um mundo diferente? Este é o nosso planeta feito a nossa imagem e semelhança, esta violência somos nós.

     Comovemo-nos com a barbárie, quando ela ocorre em um dos símbolos da gloriosa cultura ocidental porque não foi conosco, está longe e encaixa no conceito de unanimidade de bom tom, e quando ela está dentro de nossas casas, na nossa rua, em nosso bairro, nas nossas salas de aula e de trabalho? Por certo não sendo partícipe, o que muitas vezes o somos, voltamos o rosto para um ponto indefinido para o nada e nem mesmo a vemos, de tanto mentirmos para nós mesmos acreditamos que o inferno são os outros.

     Construímos leis para dobrar a coluna do homem de bem o submetendo ao flagelo do interesse minoritário da avareza, regulamos relações entre nações pela força do dinheiro ilegítimo que compra os seus exércitos com suas armas, celebramos acordos nas comunidades locais para justificar ter serviçais no nosso dia que mais parecem prisioneiros de guerra, discriminamos pela cor, pelo gênero, pelo aspecto, pela cultura, por simples diferenças artificialmente criadas com intuito de manter uma elite.

     Um basta à violência passa por entendermos que toda a morte, toda a mutilação física ou moral, enfim qualquer exercício de poder sobre um ou sobre muitos é uma manifestação fascista independente de sua origem e tão somente a eliminação desse fascista existente dentro de cada um de nós por uma análise crítica em todos nossos atos a ser realizada por nós conosco mesmo.               

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Rastro de Enganos

     Estou frente a frente a uma teia de aranha com sua bela arquitetura construída entre dois galhos de árvore, observo o labor desse animal ao construir sua armadilha destinada a suas incautas vítimas que corresponde a sua sina predadora ou quem sabe para se proteger dos seus inimigos por ocasião da troca da casca durante o crescimento, tenho certeza de que esse animal sabe exatamente o que esta fazendo.

     Lembrei-me do intrincado emaranhado de argumentos que montávamos em busca de um discurso coletivo, sim acreditei e muito nos movimentos de mudança, leitor assíduo de bases sociológicas e psicológicas a justificarem movimentos de massa, palavras de ordem que nos protegiam pela construção dos limites do que planejávamos ser o caminho de uma sociedade justa.

     Também observo uma colmeia, um formigueiro e seus integrantes envolvidos no trabalho coletivo, especializados em diversas funções partindo da segurança passando pela busca de alimentos chegando aos serviços domésticos com os cuidados dos recém-nascidos e da rainha, cada elemento tem sua função para concluir o trabalho coletivo.

     Não tenho nenhuma dúvida de que o homem que hoje sou só o é por causa de todo caminhar anterior, e este cara que vocês enxergam percebeu que qualquer movimento onde o indivíduo submete-se ao todo resulta sempre em uma simples troca de figuras, nunca em uma mudança real mesmo que apresente inúmeras conquistas sociais, construída sobre bases insuficientes insistirá em manter o paradigma de exercer poder com suas próprias tábuas da lei.

     Nesses devaneios oriundos do simples observar da natureza, onde vendo os aracnídeos lado a lado cada qual com sua teia formando no conjunto de todas essas construções uma comunidade, por outro lado no exemplo das formigas, das abelhas, onde todos trabalham em função de uma rainha, confesso caso tenha que escolher um modelo minha opção será sempre pelo primeiro.

     Criem-se as condições de o homem construir-se e teremos o alicerce da sociedade justa, onde desnecessárias serão as leis, dispensáveis serão os líderes com suas estruturas de poder, homens livres e justos podem caminhar lado a lado sem limites que não o tempo, sem defesas que não o simples existir, eles mesmos constituirão o argumento.     

     Geramos a linguagem com suas duas faces do mesmo, em uma o fantástico que representa a capacidade de sua descoberta para articularmos nossa comunicação, na outra a impossibilidade de sintonizar quem fala com quem ouve, somos todos mudos, somos todos surdos, pode-se chegar ao ajuste fino deste diálogo de surdo-mudo desde que trabalhemos muito não as palavras sim a relação.

     Com a linguagem perdemos a empatia de comunicarmo-nos plenamente pelos sentidos e encontramos o rastro de enganos que entre nós distribuímos pela lógica e seus argumentos, imagem fantasma e falsa do que realmente pretendemos. 

domingo, 8 de novembro de 2015

As Lições de um Morto Vivo

     Nos primeiros quinze dias ele era acompanhado por uma febre de quarenta ou quarenta e um graus com enorme dificuldade para se alimentar duas ou três colherinhas, dessas pequeninas de mexer o café, cheias de mingau sete vezes ao dia mais que isso o mataria, praticamente sua vida era defecar, também o fazia sete vezes ao dia, não as sobras do alimento como todos nós, mas sim um ácido composto de detritos de morte interna, vivia em função de tirar a morte de dentro do corpo e de substituí-la pelas pequenas doses de mingau que lhe repõem não exatamente a vida e sim a possibilidade de lutar por ela.         

     Ultrapassada a primeira quinzena a febre morreu, aqui estamos falando de um segundo período que compreende alguns meses, voltou a fome e esta o possuiu por inteiro, passou a ser seu único objetivo, via as pessoas sem enxergar nenhuma, tudo o que lhe interessava era a espera pela próxima hora de comer, essa passou a ser sua vida nutrir-se e esperar uma nova refeição, não conseguia em momento algum compreender por que os outros não o podiam entender nesta sua dedicação exclusiva ao objetivo de alimentar-se.

     Isso eu devo a Marguerite Duras, escritora Vietnamita-francesa que viveu a resistência em Paris na Segunda Guerra Mundial, da leitura de seu livro “A Dor” que por sinal não é para mim seu melhor livro, meus votos vão todos para “O Amante”, mas nesse primeiro ela nos fala de seu marido na época retirado praticamente morto de um campo de concentração nazista, mais de 1,70m pesando 37 quilos, era um morto-vivo, entretanto sempre esteve lúcido.

     Não encontrei melhor reflexão sobre a natureza humana do que ao ler essas linhas, existe clareza no relato da inteligência de todos os participantes do drama, intelectuais atuantes na resistência à dominação estrangeira, incluindo junto a estes o desafiador da morte, mostrou-me o homem como resultado de suas circunstâncias e assim o somos sempre, como ele o foi, primeiro vivendo só a eliminação da morte, depois só a necessidade de recompor-se como corpo para vida, essas eram suas circunstâncias e esse era o homem.

     Mais tarde já passado o pior momento, contaram-lhe sobre a morte na prisão da irmã de vinte e quatro anos, tinham sido presos juntos, essa morte não conseguia aceitar, teve o pedido de separação por parte da escritora o que sim pode compreender, outras circunstâncias outro homem, na sequência escreveu um livro sobre sua experiência no campo de concentração e nunca mais pode falar sobre o tema nem mesmo o nome do livro pronunciava.
    
     Luto por esta aproximação extrema comigo mesmo, não da maneira involuntária como na narração do livro, mas como resultado de um espontâneo e constante garimpo, vejo a complexidade que nos envolve no mundo contemporâneo funcionar como uma multidão de máscaras sobrepostas que me afastam de entender a vida, cada vez que retiro uma ao olhar-me no espelho percebo a existência de outra mais, pode parecer uma luta inglória, porém a entendo como a única possível de esclarecer-me sobre o que é a vida, penso que a descobrirei lá no fundo de tudo, quando desmascarado encontro-a por inteiro em mim.